A FAZENDA - VIDA REAL

Empurramos a porteira, que se abriu para uma longa estrada. Os arbustos semi-escondem uma casa acolhedora. De longe avisto as asas abertas de um galo branco, parece querer nos recepcionar. Encostado à uma árvore, cena de séculos atrás, um cavalo pronto, com cela para montar, aguarda. Vem a esposa do Sebastião com um sorriso de boas vindas. Então, vamos puxar uma prosa com Dona Maria de Lurdes. Ela está num momento importante da sua vida. Quem sempre morou no campo, vê o COMPERJ nos fundos do seu quintal, enfrenta o grande dilema - e agora? Mudar para o campo em outra localidade, nesta altura da vida? Enfrentar morar em cidade pela primeira vez? Já não se acha mão de obra para lida no campo. E os jovens - como interessar a nova geração gostar da fazenda, que não seja de um reality show? Leia a seguir:

Fala Dona Maria de Lurdes: O Tião saiu para cuidar do gado. Não deixa o gado sair para a pista. Porque aqui já é quase cidade e o gado sai. Um perigo danado dar uma batida de carro com o animal. 

Reinaldo Wolff: A COMPERJ é aqui, não é, senhora? (o galo canta tão alto, quase não dá para ouvir a resposta dela)
Maria de Lurdes: A COMPERJ é ali para quem vai à Papucaia, no final daquela colina.

Reinaldo Wolff: Daqui a senhora vê?
Maria de Lurdes: À noite, a gente vê 'tudinho', a claridade, naquele alto ali 'ó'. 

A galinha cacareja e vem ciscar o milho ao lado da varanda onde estamos. Em volta, tudo varrido e cada coisa em seu lugar.

Reinaldo Wolff: E eu que não sabia que a COMPERJ estava tão pertinho, moro aqui no outro bairro.
Maria de Lurdes: Menino! Isso tudo aqui vai virar cidade! E o que tem aqui vai acabar. Agora mesmo Seu Zequinha estava dizendo isso. 

Reinaldo Wolff: Quem é o Seu Zequinha?
Maria de Lurdes: É... Ele tem fazenda aqui 'prá' cima. Tem uma parte de lá, das terras, que é tudo dele - entendeu? E ele tava aqui agorinha. Ele tava falando - "Maria, isso tudo vai mudar!". Veio, montou aí a cavalo - ele gosta muito de vir visitar Tião. A fazenda dele foi vendida. Ele não tinha mais idade pra tocar aquilo tudo. Está com 82 anos. Ele vendeu. Mas aí ele vem aqui matar a saudade. Andar a cavalo. Distrair a cabeça. 

Reinaldo Wolff: Sua casa está situada num recanto incrível. Mas e aí? O que ele disse?
Maria de Lurdes: Ele estava dizendo - "Isso tudo vai virar cidade. É uma pena que isso tudo vai acabar". 

Reinaldo Wolff: Acho que as pessoas envelhecem precocemente. Aos 82 anos a pessoa não deveria se sentir acabada.
Maria de Lurdes: Ele é forte. Anda a cavalo, e mais porque? Ele foi criado 'anssim' na natureza!

Reinaldo Wolff: Eu estou com 56. Só 26 a mais, não deveria estar velho. 
Maria de Lurdes: Também estou com 56. Já meu marido está com 72. Anda a cavalo o dia inteiro. Já andou muito por aí tudo - (suspiro) - o contato com o ser humano é pior que com os animais. Dizem que é muito ruim mexer com animais e eu falo - ‘Gente! Só é ruim se você estiver com o animal em muito contato. Mas se você tem um animal aí no pátio, joga um milho, o bicho come. E si dá comida e o bicho come, entendeu? 'Eu me do mió' com os animais do que com os seres humanos, as pessoas. 

Reinaldo Wolff: Quais são os bichinhos que a senhora mais gosta?
Maria de Lurdes: Ah! Tudo que tem aqui eu gosto. É galinha, é cavalo. Quando eu acordo de manhã, tá tudo aqui na minha porta, procurando comida. As galinhas tudo aqui na porta. Nossos cavalos, são cavalinhos pé duro, mas já tão acostumados com a gente, né? Agora mesmo a gente vai ter que sair daqui, vender tudo. Ou vender ou ver o que vai fazer. Ir pro um lugar, aí que... Só não tenho vontade de ir pra cidade. Morar 'anssim', na rua... Só se fosse um lugar que não tivesse muito - entende? Ele tem vontade de ir lá pra cima - (indica com a mão a região da serra) - eu digo pra ele 'anssim' - ele já está em idade avançada. Não se acha hoje em dia gente 'prá trabaiá'.

Reinaldo Wolff: Está difícil mão de obra para todo lado.
Maria de Lurdes: Nem pra fazer uma horta! Aqui tem muito porco. Nós não tava encontrando ninguém 'prá fazê' chiqueiro. E os porcos tava solto, entendeu? Se tem gente 'prá trabaiá', faz chiqueiro, faz plantação, os bicho tem o que 'cumê'. Mas não tem gente pra capinar, limpar, roçar. Esta parte - (mostra uma extensão enorme de terras ao lado da casa) - tem uns três anos que não vem ninguém arrumar isso aí. Ninguém quer. Ah! 'Trabaio' de enxada, não! Olha, lá está! Ao longe vejo Tião, encontrou o Damião, estou vendo os dois - (quase na linha do horizonte vê-se duas manchinhas. Um de camisa vermelha, o outro de camisa branca. Quase dois pontinhos no fim daquela colina) - Ah, é muito ruim não ter mão de obra.

Reinaldo Wolff: Ele falou com a senhora sobre esta entrevista?
Maria de Lurdes: Sim. Vamos esperar (e ela continua as lembranças). A gente veio aqui quando ainda era o Seu Chico. Aí Seu Chico vendeu prum pessoal aí. Eu conheci o da piscina e o outro rapaz que veio aqui. Esse tal de Edinho. Ah, mas depois disso daí 'vendero prum' outro pessoal. A Rossi vai estar vindo faze a obra.

Reinaldo Wolff: A senhora sabe quando?
Maria de Lurdes: Eles compraram desde o ano passado. Já vieram. Já mediram tudo milímetro por milímetro. Vieram de Brasília medir tudo isso aqui. Parou 22 dias aqui dentro. Ficaram numa pousada e vieram medir tudo aqui. Contá a mata, carimbá essas árvore tudinho. Pra saber quantas árvores tem. Porque não pode desmatar. Botaram tudo aí no carimbo. Já veio o IBAMA ver esse 'negoço' de nascente. Tem poucas, mas tem. Lá pra baixo, tem. 

Reinaldo Wolff: Só pode ser água mineral! Só 3% de água do planeta, é água potável. É impressionante como tem tão pouca água potável e é um planeta de água. 
Maria de Lurdes: E o pessoal desmatando fica pior ainda. O que se pode fazer, né?

Reinaldo Wolff: E a senhora dorme bem aqui?
Maria de Lurdes: Tem muito mosquito. Mas já morei em lugar sem luz. Dá pra viver bem no campo mesmo sem luz. Tião e os irmãos dele tinham um sítio em Silva Jardim. Teve que vender porque os novos não gostam. Se fosse pra deixar os novos cuidar da fazenda, não vai não. Eu já falei - "Tião, enquanto nós tiver vida, tudo bem. Assim que você ir, eu não vou ter forças sozinha". Um filho toca forró, foi pra Tanguá, Cabo Frio, Maricá. Ele mora aí fora. 

Reinaldo Wolff: ‘Aí fora’ quer dizer o que?
Maria de Lurdes: Ali na rua, na saidinha daqui. O outro filho tem mercado em Nova Cidade. Chama Castelo da Economia. Ele tem comércio e é candidato a vereador. Não vai querer parar em fazenda mais. 'Eles quase não dá' mais atenção à gente. 

Reinaldo Wolff: Então, para onde a senhora gostaria de ir?
Maria de Lurdes: Eu não pensei ainda. 

Reinaldo Wolff: Eu já dei uma ideia. Falei com o seu esposo sobre São Lourenço. Cidade pequena mas com água mineral. Vocês podem alugar os cavalos para turistas. Ainda ganham dinheiro com os animais. Não venda. 
Maria de Lurdes: Boa ideia. O que eu sei é que ele não vai acostumar 'de nós formos prá rua'. Pra ele ficar dentro de uma casa na rua, ele não vai acostumar.//

*A Equipe Wolff não se responsabiliza pelas opiniões dos entrevistados. Toda e qualquer afirmação do entrevistado são de sua inteira responsabilidade. //


NOTÍCIA
Médicos e enfermeiros do centro europeu de Controle de Doenças chegaram ao Brasil para compartilhar nossas ideias de combate à Dengue. Cogitam a possibilidade de um mosquito resistente ao frio atacar aqui ainda neste inverno. Jornal do Commercio - 7.8.12 //


*Matéria originalmente publicada em 28 de agosto de 2013, conferida e atualizada.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um breve relato sobre a vida da escritora Anna Wolff

INTROSPECÇÃO - É o caminho para crescer o seu poder mental e libertar-se de conflitos

Coronel Aurélio da Silva Bolze em entrevista exclusiva ao jornalista Reinaldo Wolff - retrospectiva